Por: Urik Paiva
Um tarde quente
no meu quintal; o cheiro do churrasco se mistura com o da cerveja. Recebo um
SMS de David dizendo de um engarrafamento quilométrico, ainda vai demorar um
bocado. Quem bate na porta é Quentin, com dez longnecks dentro
de um saco. Ele diz que eu estou suado pra caralho, man. Pergunta
do belga, que está tirando uns sons da guitarra na cozinha enquanto espera o
baião ficar pronto. Quando ele disse que ia compor uma canção chamada Dr.
Schultz, na noite anterior, o outro Django riu. Por falar nele, ele está agora
está no aeroporto, embarcando Broomhilda.
O calor está de
matar e nós bebemos mais cerveja. Quentin joga molho de pimenta na carne e diz
que se o churrasco não nos atacar vai ficar muito gostoso. Sinceramente, não
sei se é uma piada, mas rio como se fosse. Django surge com uma panela de
baião-de-dois, sua guitarra e três melodias inéditas para a tarde,
os standards da nossa tarde, brinca.
Uma tarde quente
feito o deserto. Mas estamos felizes e mostramos os dentes muitas vezes. Não
ficamos constrangidos quando o silêncio é distribuído entre todos, porque
partilhamos de evidente intimidade. Então Quentin diz algo engraçado e
iniciamos um debate qualquer; que mesmo sobre assassinatos perversos se torna
divertido. Django passa as mãos sobre a guitarra e até o cheiro do churrasco se
cala para ouvir: Allof
me seguida
de The
man I love.
Alguém irrompe
pelo quintal com um wow.
Mesmo sem o gatilho dos olhos, sabemos que é Django Freeman. Ele se junta a
nós, morrendo
de sede, caralho. Quando
Django e Django se chamavam, e ficavam se elogiando jocosamente com você é o melhor, nós ríamos demais.
Já estávamos
bêbados quando David, Vincent, Jimmy e Tommy chegaram. Eles também estavam;
sabendo do engarrafamento, compraram muitas cervejas e ficaram bebendo no
carro; aqui estão, rindo como loucos.
Os vizinhos já
virão reclamar, acredito, porque todos falam muito alto. Quentin pega uma
digital e nos filma ora com a boca cheia de carne ora jogando cerveja uns nos
outros. Django oferece sua SelmerMaccaferri para Vincent, como um desafio. Ele
não fez feio tocando Firewater, mas
não se tratava de um bruxo como o belga. Quentin também se aproveitou do
instrumento, fazendo-se ouvir algo italiano, Morricone talvez.
Eu olhei para
todos e respirei um ar muito satisfeito.
Num certo
momento, fomos todos distraídos por várias batidas nervosas na porta. Eram
militares que não aceitaram negativas e entraram casa adentro, vasculhando tudo.
Não interessava a Djangoo que estavam procurando. Ele sacou seu revólver e deu
conta de um por um dos caras. Tínhamos sangue por todos os lados, mas nenhum
dos nossos ficou ferido.
Pela porta
aberta passou um homem aflito que, antes de levar um tiro, pediu desculpas pelo
incômodo; os soldados estavam procurando por ele, mas não procurarão
mais, como tratou de explicar Django, ainda de arma em punho.
Reinhardt acalma
os ânimos, apresentando-se ao estranho. Meu nome é João Goulart, mas podem
me chamar de Jango, pois, já que me salvaram, são meus amigos. Sorrimos
aliviados. Django,
mas com o d invisível,
brincou Tommy, enquanto Jimmy deu uma cerveja ao mais novo do grupo. Ele
relaxou antes de contar que talvez tivesse apenas aquela tarde de vida, porque muitos
soldados estavam em seu encalço; todos do
país, acrescentou rindo. Fizemos um silêncio emocionado quando Freeman
disse que os mataria sozinho.
Eu disse que se
Jango tinha apenas aquela tarde, que a tivesse da melhor forma. Bebemos e
comemos bastante até que chegou a noite e depois o dia novamente.
*Jean Reinhardt, artisticamente
conhecido como DjangoReinhardt foi
um guitarrista de jazz belga, nascido em 1910 e falecido em 1953.
*Django
Freeman é o protagonista do filme DjangoUnchained,
de 2012, dirigido por Quentin Tarantino.
*DjangoDjango
é uma banda londrina de rock, formada em 2009 por David Maclean, VicentNeff,
Jimmy Dixon e Tommy Grace.
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