domingo, 21 de abril de 2013

Número 6.

Continuando com essa ideia prazerosa de levar uns textos aí pra vocês, chega e sexta edição deste e-zine, dessa revista que não é uma revista.

Nesta edição publico um conto/fragmento enviado pelo escritor Antonio LaCarne. Tiago Velasco também aparece aqui com seus microcontos, e Edvaldo Ramos Leite surge neste mês com uma crônica originalmente publicado em um antigo blog nosso, e devo dizer, a crônica mais bonita que já li em toda minha vida.

Só reforçando que para publicações aqui é só enviar e-mail.

Boa leitura e até o próximo mês.

Carlos Alberto Nascimento

(Edição finalizada ao som de Carla Morrison)

Loop




Resolvi me perder e não falar sobre você durante muito tempo. E em contrapartida, ser mais um a exagerar nos cigarros, nas drogas, num círculo de amigos disfuncionais e com tendências destrutivas. Assim fui eu na noite enquanto te observava além de si mesmo, aquela solidão ao redor da mesa enquanto que, pra disfarçar o tempo, eu fingia escrever uma mensagem de vida ou morte no celular. Mas tudo pareceu em vão, você nem sequer decifrou o jogo cujo ápice aconteceria em três horas. A cama onde deitaríamos lânguidos numa paisagem erguida além de nossas neuroses e horários a cumprir. Nos desencontramos antes mesmo de qualquer arrependimento. Aí você foi embora, pedi outra bebida, cruzei as pernas numa nova tentativa de glória, medo, loucura e redenção.

Microcontos.



Por Tiago Velasco

Empire State

Era a primeira vez em Nova York. Lua de mel. Depois de três dias, ela disse que o casamento foi um engano. Marcou a passagem de volta para a noite. Só a dela. Ele saiu desesperado pelas ruas de Manhattan. Adentrou a portaria do prédio. Uma fila enorme aguardava o elevador. Estava com pressa. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 degraus, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, ... ,93,  94, 95 degraus, 96, 97, 98, 99, ..., 431, 432, 433, o coração havia de suportar, 434, 438, ... 918, 919, só mais alguns, 920, 921, 922, ..., 1573, arf, arf, arf. Decepcionou-se com as grades até o teto.


Top model
Desfilava nas passarelas de Paris, Nova York e Milão. Os principais estilistas faziam questão de que ela vestisse seus looks. Não assinava contrato de exclusividade. Diziam que tinha um caminhar único. E uma beleza exótica. Um rosto indecifrável era o elogio máximo. Inexpressiva, fazia a roupa brilhar. Morreu sem uma ruga.


Reflexo
– Por que você me ama?
– Porque você me ama!

O Céu Oceano




Uma nuvem feito pedra
Flutua no oceano calmaria
Enquanto ondas de vento
Quebram nos rochedos de minha alma.

Meu peito é cais aberto
Esperando a chegada de um amor tranqüilo
Que vaga perdido
Sem meu endereço, nem meu destino.

O céu oceano é o que ainda me mantém em terra
Aprisionado por uma promessa
De que se eu ficar parado
O mundo irá girar
E trazer para mim uma promessa antiga.

Os Tempos Estão Mudando...





Lembro os anos sessenta quando eu ouvia Buddy Holly desde a hora de acordar até o almoço.

Depois de comer, punha uma camiseta, meus óculos de armação grossa e caminhava um pouco debaixo do sol quente até a banca do Alfredo para trocar figurinhas de alienígenas. Comprava alguns exemplares antigos de gibis do Superman e voltava pra casa. Me trancava no quarto, colocava um pouco de Elvis na vitrola e ia escrever histórias de ficção científica para passar o tempo.

À medida que a tarde passava, saia Elvis, entravam Troggs, Beattles, Kinks, Animals. E eu amava Bob Dylan apesar de ser só um cara com um violão e uma voz anasalada, na época muito estranho pra caras como eu. Mas o fato dele falar coisas que eu realmente achava importante me dava a impressão de que pelo menos uma pessoa nesse mundo tava realmente afim de simplificar as coisas pra mim, ao invés do contrário.

De tarde eu tomava um banho, vestia uma calça de brim, uma camisa branca por dentro, meu cinto de fivela dourada, sapatos bem engraxados, colocava meu chapéu preto meio que de lado e ia à praça conversar com outros cavalheiros que, como eu, não viam problema nenhum em tomar uma cervejinha, conversar sobre rock´n´roll, filme de terror e atrizes gostosas como Brigitte Bardot.

À noite, sempre tinha festa na casa de alguém. Havia uma loira de nome Glória. Nunca chegamos a ficar juntos, mas sei que ela tinha uma queda por mim, pois sempre estávamos a trocar olhares e ela sempre sorriu pra mim. A possibilidade de dançarmos era o que tornava aquelas noites mágicas. Um dia, consegui chamá-la para uma dança. Ela era daquelas menininhas de beleza inocente que sempre está acompanhada de suas amigas, com seu risinho tímido e meigo, de voz suave e um perfume natural e inebriante que me deixava sonhando por semanas. Eu era um garoto meio desbocado que as mães das meninas detestavam e com quem as proibiam de falar, mas com quem elas não conseguiam deixar de falar. Daqueles que causam problemas de verdade e acham muito divertido ver o circo pegar fogo.

Tudo isso fazia daquele um tempo muito bom. Me lembro de como sempre achava que estava vivendo na época certa, apesar de toda a porcaria pela qual o mundo estava passando. Uma guerra falsa que era uma ameaça verdadeira, os preconceitos e a repressão. De certa forma, até aquela tensão toda era boa. Era bom ser jovem e esperto o bastante para saber e ter consciência de tudo e mesmo assim não ligar pra nada a não ser música, cinema, mulher e confusão.

Eu amei minha juventude.

Só que há um problema: nada disso aconteceu. Eu não sou esse cara. Nem sei de onde ele saiu. Faz tempo que ele mora em mim, acho que ainda era garoto quando ele surgiu. Tenho uma saudade imensa desse tempo, a ponto de chorar algumas vezes, vendo as fotos de todas as pessoas com quem eu andava, lendo cartas delas, falando com uma ou outra ao telefone sobre aquelas aventuras...mas nada disso existiu.

Sinto-me velho como esse cara seria hoje, mas eu não sou ele. Como posso explicar isso? Não há outro jeito senão imaginando que esse rapaz é um eu diferente de uma realidade paralela qualquer, gritando através da sangria cósmica que existem coisas legais para serem vividas, que eu não sou tão velho quanto o mundo e as circunstâncias me fazem acreditar que sou e que eu devia jogar algumas coisas para o alto antes de ser engolido por todo o tempo que não vivi.

Quando paro pra pensar nos acontecimentos do mundo vejo que nossa época é bem parecida com aquela. Uma juventude desatenta e inconsequente, uma ameaça nuclear assombrando os jornais e a esperança invisível de que do nada alguém muito especial apareça para mudar as coisas. Não sei o quão triste me sinto por quase não me lembrar de nada do meu próprio passado e sentir tanta falta da vida desse meu eu alternativo. Acredito que na história jamais houve um tempo em que não se estivesse em crise. A luta pela sobrevivência nos domina, ofusca nossa percepção e liquidifica nossas aspirações e sonhos, tudo é sempre uma névoa de preocupação e o esforço é imenso por construir um amanhã que não deixa de ser incerto. Quanto mais se pensa, menos se entende como a humanidade caminha.

Mas as coisas estão mudando. Os tempos estão sempre mudando. O que não muda é o fato de que jamais saberemos no que tudo vai dar, por mais que queiramos ter o controle de tudo. E acho que os momentos do passado que nossos “eus alternativos” mais sentem saudades, nesses tempos obscuros de solidão e loucura, são daquelas noites lindas em que o espírito ficava leve ao som de músicas de amor e se podia muito bem flertar com a Glória. Sem culpa alguma, sem qualquer pudor.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Isso Não é Uma Revista Literária # 5


Você senta, esfria a cabeça, tenta não pensar em mais nada, só em escrever alguma coisa. As vezes dá certo. As vezes você só tem que esperar a inspiração. E existem pessoas que não acreditam em nada desse negócio de inspiração. Escrever é trabalho, dá trabalho, mas quando você encontra alguns bons poemas por ai, alguns bons contos de bons escritores por ai, vale a pena procurar, como vale pra escrever.

Valeu a pena esperar pelas contribuições para essa nova edição, e vai valer a pena pra você, que vai parar tudo que está fazendo pra ler o que estamos escrevendo.

Bárbara Lia nessa edição, surge com poemas de seu mais novo livro, onde ela de forma silenciosa e poética conversa com Emily Dickinson. Paola Benevides mandou um texto foda, destruidor, que fala da infeliz vida  de muitos nos tempos de hoje. Camila Fraga com seu texto forte e doloroso aparece aqui pela primeira vez. Assim como também Lilith A, jovem escritora dessa minha cidade forte Fortaleza, que nos aparece com um conto muito bonito, e muito triste também.

Como falei, pare o que você está fazendo e leia essa nova edição do e-zine. Vai valer.

Carlos Alberto Nascimento

(Edição preparada ao som de John Coltrane - My Favorite Things)

A Flor Dentro da Árvore.



“Dentro da minha flor me escondo...”
Baile das harpias
Em árvores carbonizadas
Rindo do fim
Fumaça sangra
Nosso jardim
A alma do éden
Adoentada.


“Até que os serafins acenem com seus chapéus brancos”
Não nasci para resfriar o mundo
Neste lerdo cortejo de omissões
Estas palavras interditas
Suspensas

Não vim quebrar as pernas do sol
Silenciar cada bemol
Não vim para arrebentar o anzol
Do velho de Hemingway
Sou mar e trovão no coração
Nasci para amar sem lastro
Para dançar no pátio
It is my way

“Doce como o massacre de sóis”
Oito canhões na praça de guerra
Apontam para o peixe
Que traz a paz nas guelras

Quatro gaivotas suicidas
Lambem o babado azulado
Do triste mar-flamenco

Lembro um filme de Babenco:

Ana e o voo
Mariposas no quarto lúgubre
Suas mãos em concha
A esmagar a eternidade insalubre


“A lentidão das palavras do arcanjo ao acordá-la”
O sagrado despe as ilusões
e abraça as árvores mortas
Suas folhas azul esmaecido
qual manto da Virgem de Cambrai
Os ossos das árvores adoeceram
e elas morreram – azuis -
Antes que tornassem brancos
os seus cabelos


“Sinal cifrado para enovelar o divino”
Trinta e dois ventos
da rosa dos ventos
Vinte e um gramas
do peso da alma
Oito países
a comandar a Terra
UM Deus louco
pelas ruas bombardeadas


“O pedigree do mel não diz nada a uma abelha”
O rancor dos homens
Contaminou as flores 
As abelhas
Morreram de cólera
Adocicada
Último zumbido 
Acordou o Sol
Em cadência afinada
Qual canção do Vangelis

Farmacopeia.




A solidão é maior que o mundo inteiro. Raça humana que não se abraça, quando resolve fazer parte da história do outro, a tinta do tinteiro se afasta e as palavras ressecam. Amarelam-se as páginas que se viram feito caras, feito as costas, feito as portas que se batem quando são postas as vidas em aberto. Tudo tem um preço. Nada tem valor. Alguns livros são comprados pela capa, enfeitam prateleiras, viram alimento para traças. Vendem-se mais dramas e catástrofes que as fábulas de cor rosa. A tolice do homem está em querer ler na ficção o que acontece na realidade, porém com doses mais inacreditáveis de sofrimento. Homeopatas! Sangue nos olhos dos outros é refresco de groselha. O pavor se pavoneia em chantagem, abre margem para a comoção. Aplaude a plateia. Vítimas de seus próprios egos, emoção embotada na garganta, chaga sem prego. Jesus nos salvou mesmo ou se perdeu na gaveta dos dízimos? Diz-me o quê em relação à sua existência? Está valendo a pena de morte? A cada febre terçã faz-se uma novena. À própria sorte, que graça teria um bilhete premiado sem que fosse compartilhada a notícia? Escondem-se os abastados dos interesseiros agora por cultivarem a ilusão da jactância, o fato é que os pretensos ricos sentem inveja dos esfarrapados no quesito alma. Ninguém sabe se aturar sozinho, na verdade, ninguém se quer sem o próximo, que quanto mais aproximado está, aí se proliferam os defeitos feito baratas expulsas dos ralos. Quando não, as qualidades são aproveitadas por tempo limitado, manipuladas, pois hoje em dia tudo é reciclável. Poucos não são os rasos. Raros são os maduros sustentáveis.


Refém do chefe, do marido, da mãe, da televisão, do partido, da contrapartida, da contravenção... Viciado em gula, luta no tatame, funkpancadão, aspartame, shake diet, Chuck Norris, cachaça com ou sem limão... Dependente físico da obesidade mórbida, da foda fora do casamento, do ajuntamento falido, do palavrão frente às crianças, da moda em 30, 60, 90 sem entrada e sem juros... Afeito a cheques sem fundo, fundo de poço, ostentação, esteticista, açougue, maltrato animal, agiotagem fatal, cigarros e Marijuana (foi ela quem disse certa vez trajando vermelho até os olhos: - Não se chega ao pó senão por mim). Tarja preta é o remédio para a censura. Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra, pode ser de crack, pode subir o telhado de vidro alheio, pode ser o equivalente em cacos do seu espelho. É de doer o coração dos mais fracos, porque os mais fortes só aprenderam a dormir sob efeito de comprimidos. Por um triz, Rivotril. Uma estaca de vampiro ao menos estanca sangramento. Morre-se de hemorragia interna ou na internação. Aceitamos só visitas íntimas, não aceitamos cartão, a porta da área de serviço está aberta a ladrão de strip poker, negros com micropênis, prostitutas universitárias, freiras lésbicas e padres pedófilos. Não damos crédito à velhice, pois antes enfrentar a cadeira elétrica que a de rodas ou balanço. Vaidade com a idade aumenta. Vamos à queda de braço, que não se dá a torcer. Torcida uniformizada só serve mesmo para bater. Mas temos esperança que a paz um dia venha em cápsulas.

O Primeiro.




Caminhava lento por ruas da cidade. Um cigarro na boca. Perto das 5 horas. Já não tinha um sol tão forte acima de minha cabeça. Caminhava despreocupado, atento por ruas sujas, os pés quase pisando em poças d´água, lama, sujeira nos cantos das calçadas, frutas podres jogadas. Cheiro de mijo. Algumas ruas por onde ando têm cheiro de mijo. Em algumas o cheiro é mais forte. Nesta onde caminho é mais fraco. Mesmo assim ainda dá pra sentir.

Mais um quarteirão, e então passo em frente a uma igreja que nunca entrei. Curioso pensar nos vários lugares nesta cidade formiga formigueiro onde nunca pus os pés. Faço o sinal da cruz e atravesso a rua. A pista molhada e hoje sequer choveu. Cidade suja, calçadas sujas. Dobro a esquina, avisto a casa, agora mais próxima, dou uma última tragada no cigarro, a fumaça sobe transformando-se em nuvem, nevoeiro sobre os olhos. Jogo a ponta do cigarro no chão. Cidade suja.

Atravesso a rua, olho para os lados, não vem carro. Estranho as ruas estarem tão vazias em plena sexta-feira, agora 5 da tarde. Os pés tocam a calçada, o coração dentro do peito dá um soluço. Aproximo-me do portão de ferro quadriculado com pintura branca descascando. Lá dentro uma mulher me vê e vem abrir o portão. Passos arrastando chinela. Um sorriso. Vai abrindo para que eu entre.

-A Kelly está? Pergunto.
-Tá sim, lá dentro. Entra e espera, já vou chamar. Responde com voz natural, despreocupada.

Ela se retira e segue em um corredor. A sala não muito grande. Uma TV no canto, dois sofás formando um L, uma mulher sentada no sofá de dois lugares com as pernas atrepadas em um banquinho, bebe cerveja e assisti TV, me olha e depois volta para a TV. Não demora muito e dos fundos da casa a outra volta arrastando as chinelas.

-Ela já tá vindo. Pode sentar aí, quer uma cerveja? Fala sem olhar para mim.

Respondo que não com a cabeça sem saber se ela viu ou não. Já tinha bebido e hoje meu dinheiro está curto. Sento no sofá de 3 lugares. A mulher senta do lado da outra que bebe cerveja e vê TV. Senta do lado dela e puxa uma serrinha do canto do sofá, e então começa a passar nas unhas.

Não foi difícil encontrar o lugar, já conhecia a rua, conhecia a casa de vista. Nova moradia de Kelly.

Dos fundos da casa ela surge com seu andar mole, um tipo de desfile. Me olha de longe e sorri. Eu levanto quando ela se aproxima. Sorriso em seu rosto.

-Veio cedo, meu amor. Ela fala.

Dou um sorriso para ela.

É que queria ser o primeiro.

Tem essa coisa que chamam de felicidade e eu não consigo entender.




Tem essa coisa que chamam de felicidade e eu não consigo entender. Esses eternos sorrisos e piadas prontas, que acabam sendo a própria piada. Igual quando tu pega um táxi e o motorista é simpático e feliz pra burro, daquele jeito que faz você até temer o que vem por trás de tanta simpatia e alegria às oito da manhã. Os projetos que você não terminou, aquele CD da Patti Smith que você sempre escuta pela metade, porque as coisas que ela canta quase doem. É que cê sempre tá esperando a chuva, as pernas cruzadas pra parecer comportada o suficiente, sempre esperando que o cigarro queime sozinho pra que teus pulmões não se fodam, esperando aquilo que você não pôde ter, esperando aquela merda de olhar triste, que o mar pare de se mexer. E aquela voz bonita te dizendo: “o mar é uma coisa feia pra caralho” e tu concorda com um sorriso triste, sabendo que até a coisa mais bonita é feia pra caralho. E pensa onde as pessoas guardam a melancolia, se elas conseguem ter algum resquício de melancolia no meio de tanta felicidade e simpatia. Você não entende. Nunca vai entender. E talvez por isso mesmo tu se torne cada vez mais triste e antipática.

A Herança Ingrata.




A porta abre fazendo um rangido que assusta os gatos. Ela entra com uma tigela cheia de leite até a borda, a mesma tigela que tinha amanhecido seca.

-A benção, minha vó.
-Deus lhe abençoe, minha netinha.

O tom de pele dela é diferente do meu, eu sou branca; pálida quando passo o dia em casa e rosa quando tomo sol. A cor da pele da minha neta eu não sei, é algo entre o tom de pele que predomina entre os indianos e o que predomina entre os africanos. O pai da minha neta é negro, a minha filha era branca. A menina nasceu então com uma cor intermediária entre os dois.

Ela cuida de mim e dos meus gatos. Num futuro próximo morrerei, daí minha neta passará a cuidar somente dos meus gatos. Até que, de saudade, cada um dos meus gatos vá morrendo também e minha neta possa viver sem essa herança ingrata. Pois sei que essa menina não gosta de gatos, ela cuida deles para me fazer bem, para cuidar de mim.

-Já comeu hoje, voinha? Eu deixei um bolo de milho na mesa e acho que a senhora nem triscou nele!
-Comi do bolo, sim, tava bom.
-Mas vó, o bolo tá lá, inteirinho! A senhora nem comeu, não, vou trazer aqui um pedaço!

Ela sai do alpendre e vai na cozinha buscar o bolo. A verdade é que não comi do bolo, eu menti. Eu minto, minto sem perceber, minto para não discutir, minto para poupar palavras. É tão mais fácil, tira um peso enorme dos ombros. Acho que quando a gente chega numa idade a morte dá um tapinha nas nossas costas e pergunta: ‘você vai querer ser um velho calminho e silencioso ou vai querer ser daqueles que dão palpite em tudo?’ Eu escolhi ser uma velha tranquila, resignada, de poucas e serenas palavras.

A minha neta aparece de volta com um pedaço de bolo e o traz até a cadeira de balanço onde estou sentada. O bolo é bom, mas não tenho fome. Se eu tivesse fome, comia o bolo inteiro, mas não. Ela não sabe que eu minto por uma comodidade estranha, acha que eu perdi a lucidez. Ela me olha com um uns inquisidores olhos negros, me assiste comendo, para ver se eu como tudo. E como os olhos dela brilham, são pretos, duas bilas escuras e brilhantes e me olham e me dão medo. Ela parece a minha mãe. Mas a minha mãe era branca e tinha os olhos verdes que eu não herdei.

-Comi já, leva aqui o prato – e ela pega o prato das minhas mãos com medo de quebrar (os pratos ou as minhas mãos, não sei).
-A senhora devia se cuidar mais, ver se come mais.
-Não preciso me cuidar, pois já tenho você que cuida de mim, Sebastiana.
-Meu nome é Lívia, vovó.
-Mas o nome da minha mãe é Sebastiana.

Minha netinha perde o olhar no chão e leva o prato para a cozinha. Eu não menti, dessa vez não foi por comodidade. Eu me enganei, esqueci, troquei os nomes. Ela agora sabe, tem a confirmação, que fiquei gagá. E eu, com o pouco de lucidez que tenho me dou conta que estou ficando senil. É tão triste chorar e lembrar dos olhos azuis da minha mãe e dos negros e inquisidores da minha neta e não querer esquecê-los, jamais.

E depois, num lapso da memória, recordar que os olhos da minha mãe eram verdes e não azuis.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

No Ar.


Caros companheiros,

Na tela mais uma edição dessa revista Isso não é uma revista. Essa edição está foda. Não que as outras não estivessem. A cada edição sinto vontade de dizer isso, que está foda, por causa dos colaboradores e seus textos enviados para cá. Fodas. Tem sido bom receber coisas dos amigos e dos colegas de literatura e internet. Fico muito agradecido de receber colaborações inéditas para esse e-zine.

A edição abre com micro-contos enviados por Tiago Velasco. Acredito que o cara tem que ser muito bom, muito esperto para mandar uma narrativa curta, um conto bem pequeno, e te pegar. Tiago consegue, isso é verdade.

Edivaldo Ramos estreia conto aqui no e-zine. "Little Boy" é de sua nova safra de escritos, conto inédito dos dedicados a literatura de terror e suspense que está produzindo calado por ai.

Outro inédito novinho em folha é o conto enviado por Urik Paiva, um de meus contistas prediletos dessa cidade.

Agradeço aos companheiros que participam e você que gasta sua pupila na tela do computador lendo o que escrevemos. Ler em computador é um saco, eu bem sei, mas foi essa a forma que encontrei para chegar o mais longe possível sem que as pessoas tivessem que sair de seus quartos. Então, senta ai e leia.

Carlos Alberto Nascimento - Editor

(Edição preparada ao som de T Rex- The Slider)  

Microconto.

Por: Tiago Velasco.


Microconto

Há quem anote pequenos trechos de histórias em cadernos para depois escrever crônicas, contos ou romances. Eu me dou por satisfeito.

Memória ocular

Operou a vista. Da miopia, sobrou apenas o tique de ajeitar os óculos sobre o nariz.

Mundo animal

Primeiro foi um porco. Patos e galinhas em seguida. Os jacarés do mangue não deixavam passar nada. Tinham sonhos ambiciosos. Os bracinhos e perninhas das crianças que brincavam próximas à vala negra. Os dedinhos das menorzinhas enchiam as bocas dos répteis de saliva. O caviar que compensa o mau cheiro da região. Os jacarés sabem esperar. Parados, quase mortos. Economizam energia para o bote certeiro. Delícia. E pensar que antes era tudo um matagal só. Bendito progresso.


A Noiva

Véu, grinalda, chuva de arroz. Jogou o buquê para a futura mulher de seu marido.

Rompimento


O celular vibrou. Mensagem de texto. Apertei o botão. “Vc eh mto ciumento. Nao aguento mais esses ataques no meio da rua. Não respeita ngm. Chega. Pode apagar o meu número do seu cel e me tirar do seu feice. Vc jah eh passado. Acabou de vez.” Dei mais alguns passos olhando para a tela do celular, de cabeça baixa. As pessoas na calçada desviavam para não trombar comigo. Pensei em responder. Cheguei a digitar as primeiras palavras. Desisti. Eu nem tinha namorada.

Uma Estrela.





Uma estrela flutuou e entrou pela persiana aberta de minha janela. Uma estrela branca, um floco de neve. Mas como um floco de neve poderia aparecer a essa época do ano, se estamos em pleno verão? Não sei, talvez seja só a madrugada.

Existem tantas coisas que ainda não sei, tantas coisas que estou longe de entender. Levando em conta minha idade já deveria saber de muitas coisas, entende-las melhor. Mas não, passo por essa vida sem dela retirar muitos ensinamentos. O tempo não para, e eu parada no ar sem saber aonde ir.

Semana passada encontrei com um antigo amigo de colégio. Quanto tempo fazia? Sete, treze, noventa anos que tudo tinha passado? . Nem me lembro direito desse tempo. Todos tão juntos, promessas que o tempo não nos separaria, a turma que sempre estaria unida.

O tempo passou e o que aconteceu? Encontro com um ou outro em ocasiões extremamente separadas. Sorrisos, às vezes uma cerveja, um sorvete, uma conversa. Engraçado, sempre algo frio. O tempo passa e leva com ele pedaços de nós.

Meu amigo me disse que estava bem, trabalhando muito, falta de tempo sempre presente, mulher, filhos, casa na praia. – “Qualquer dia apareça, vamos reunir a velha turma! O que anda fazendo?” - O que ando fazendo?! Reunir a velha turma?! – “Vamos marcar um próximo encontro, te apresento meus filhos, minha esposa.” – Provavelmente nunca mais nos veremos, ou quando nos esbarrarmos novamente o tempo terá me levado de sua memória para um já não reconhecimento. O tempo carrega pedaços da alma, espelhos do que se foi.

Acendo um cigarro, sentada na cadeira olhando para a janela com as persianas abertas. Uma lágrima escorre de um olho, não consigo segurar a melancolia. Lentamente outro floco de neve entra por um das persianas abertas, vem flutuando até cair na palma de minha mão. Branco, brilhante, quente. Seria mesmo uma estrela?

Little Boy.

 



- Foi assim mesmo- disse o enfermeiro- sem parágrafos. Insano como se esperava, mas não dá pra negar, doutor, faz sentido de alguma forma.

O doutor lia e balançava a cabeça pensativo ao concordar. Tudo estava registrado em três fotografias. Uma prova irrelevante para a Justiça. Mas só entre os dois, a explicação para tudo. Toda a tragédia.

O enfermeiro fizera questão de que tudo estivesse legível ao fotografar o texto na parede do quarto do rapaz, pois sabia que estava tudo ligado. O texto, as atitudes. Um rapaz que conseguiu mudar muita coisa, embora tenha feito pelos meios mais errados. Pela primeira vez, em quinze anos de profissão, o doutor pensava agora se não dera um diagnóstico incorreto.

- Encontrou mais alguma coisa lá?- perguntou após um suspiro cansado. Foram dois dias estafantes. Corridos. Estava todo mundo cansado. Ele via no rosto do enfermeiro a vontade de fazer algo mais, mas o melhor mesmo seria descansar. Não havia mais nada que se pudesse fazer. Apocalipse é apocalipse. Ponto.

- Não, doutor. - respondeu o enfermeiro. - Nada mais que a polícia ou qualquer um de nós já não tenha visto.

O doutor balançou a cabeça mais uma vez. Os dois fizeram um longo silêncio. O enfermeiro apanhou da mesa as fotos mais uma vez. Olhou-as com cuidado. Leu o texto inteiro novamente.

- Anarquista... - sussurrou.

Com a cabeça apoiada na mão, o doutor que se balançava de um lado para outro na cadeira jogou sobre ele um olhar inquisitivo.

- Isso aqui é anarquismo puro, doutor. - disse o enfermeiro ao perceber a dúvida no olhar do outro. – Quer dizer... aposto que sei o que o senhor está pensando agora. Mas não tinha como a gente saber. O senhor não errou. Ele só não devia estar aqui. Como nenhum dos outros. O lugar deles não é aqui. Não importa o que ele tenha feito. Esse lugar não é adequado pro que a gente tá tentando fazer.

- É mesmo... - anuiu o doutor num tom cansado. - É mesmo.

O enfermeiro colocou de volta as fotos sobre a mesa do doutor. Recostou-se por um momento apenas para conferir se ele estava realmente bem. Viu um semblante tomado pela culpa. Para essa doença não havia remédio algum. E até inventarem a máquina do tempo, continuaria assim.Bateu as mãos nos braços da cadeira e levantou-se num movimento rápido.

- Bem, acho que já vou, doutor. Se precisar de alguma coisa... Alguém pra conversar. Pode ligar. Moro no São Cristóvão. Minha esposa disse que está tudo bem por lá. Ninguém foi atingido na periferia. Se quiser um lugar mais tranquilo pra dormir...

- Ok, obrigado mesmo. - disse o doutor. - Também vou pra casa. Estou quebrado. Por dentro e por fora. Bem que eu gostaria de ter uma esposa me esperando. Sã e salva. – disse por fim com um risinho insosso.

O enfermeiro não conseguiu depurar a comiseração do olhar que lançou para o amigo. Virou-se e saiu.

- Você poderia dizer agora. - disse o doutor antes que o enfermeiro fechasse a porta.
- Hã? – disse o enfermeiro colocando apenas metade do corpo de volta.
- Você disse que passaria na minha cara meu erro. Estava certo o tempo todo. Eu lhe devo desculpas.
- Não pense nisso. Como eu disse, não tinha como saber. Eu segui minha intuição apenas. Somos profissionais da saúde. Trabalhamos com evidências, não com intuição. Eu só estava nervoso, não faria isso jamais.

Os dois estavam sendo sinceros e percebiam isso em seus olhares e palavras.

- Eu sei... - disse o doutor- eu sei.

O outro fez um sorriso com o canto da boca. Daquele tipo que sai com o maior esforço em situações que pedem um sorriso justamente quando não há força nem motivo para tal. Pelo enfermeiro ter conseguido dando seu máximo, o doutor agradeceu. Mas sabia que o amigo estava sendo apenas generoso.

Quando a porta se fechou, o doutor levantou-se e olhou as fotos sobre a mesa. Afastou as três que foram trazidas pelo enfermeiro. Três fotografias que eram partes complementares de um texto escrito na parede com giz de cera molhado. Abaixo delas estavam outras. As que deveria entregar à polícia. Roupas de funcionários do hospital jogadas num canto de parede da ala norte. Portões do corredor arrebentados pelo lado de fora. As provas de que o paciente havia recebido ajuda de pessoas externas à equipe. Os donos dos uniformes foram encontrados amarrados no canteiro de obras ao lado do hospital. Na verdade um terreno cheio de entulho que o governo se comprometeu a retirar, mas nem isso nem as obras haviam começado em dois anos e os pacientes continuavam apertados em quartos pequenos, mal iluminados e com paredes sujas. Quartos como o do paciente em questão.

Quando chegou ao hospital, a única pessoa com quem o rapaz conseguia se comunicar era com o enfermeiro. Recusava-se a dizer sequer uma palavra a médicos, técnicos ou qualquer outro funcionário. De alguma forma percebia nele a capacidade de entender coisas que deveriam ser ditas a um número maior de pessoas. E não era para menos. “Anarquista”. Sim, o enfermeiro entendia. Havia diálogo ali. Pena que o doutor não deu ouvidos quando o enfermeiro avisou que aquele paciente era diferente. Inteligente demais. De família rica. Típico caso de jovem revoltado que desafia o pai empresário e acaba no hospital psiquiátrico. “Drogas demais”, alegou o segurança do pai quando o veio internar. Estava muito agitado. “Precisa de uma camisa de força!”, disse o brutamonte. O enfermeiro pôs isso no prontuário também.

Dois meses de internação. Não era violento, muito pelo contrário. Parecia completamente normal. Mas aquele olhar. Não era dissimulação, nem ódio, nem loucura. Era um misto de tudo isso. Demorou em entender da forma mais dura que o nome daquilo era obstinação. Tomava normalmente os medicamentos. Até entendia deles. Tranquilizantes e moderadores do humor. Participava das terapias de grupo. Fazia os passarinhos de papel da terapia ocupacional e conversava com os outros pacientes, os mais e os menos normais com a mesma paciência e respeito. E escrevia. Muito. Dia e noite em um bloquinho de notas que sumiu junto com ele.

“Ele precisa ir para outro lugar.” Dizia o enfermeiro. “Alguma coisa é verdade ali. Ele não fez o que fez num delírio”.  Mas o doutor insistira no diagnóstico. Abriu o prontuário que jazia junto às fotos e leu sua parte das anotações:

Código de Classificação de Doenças F 20.0: Esquizofrenia Paranoide. Sintomas produtivos: alucinações visuais e auditivas. Mania de perseguição. Imagina fazer parte de um grupo revolucionário que tem como objetivo iniciar uma nova sociedade. Comunicação seletiva. Sintomas depressivos. Agressividade esporádica. Internado pelos próprios familiares após roubar grande soma em dólares do próprio pai. Registros encontrados no quarto do paciente revelam que o objetivo do roubo seria a compra de artefatos nucleares por meio de contatos com grupos fundamentalistas muçulmanos no Oriente Médio. Soma subtraída conduzida a paradeiro ainda não identificado.

Fechou o prontuário e jogou-o sobre a mesa. Apanhou as três fotos do texto da parede e pregou-as com tachinhas no flanelógrafo atrás da mesa na ordem em que se seguia o escrito. Aquele texto lhe condenava secretamente. Mas tinha a certeza de que condenava a todos. Todos mesmo, toda a Humanidade. Desde o início dos tempos. Desde que o Homem é capaz de registrar seus feitos. Desde que é capaz de sobrepor sua dominação à natureza e a seus semelhantes mais fracos.

Foto 1:
“Eu não posso dizer o que vem depois, mas antes de melhorar, a coisa vai piorar muito. E esta não é uma perspectiva pessimista. Muito pelo contrário. A força destruidora é também uma força criadora. É necessário que se desfaça tudo que está aí. A política, o modo como os poderosos mantêm a estrutura parasitária da sociedade sustentada pelo trabalho da maioria mais pobre e desprovida. Não haverá perfeição. A Humanidade dificilmente verá uma forma de organização na qual o respeito e a compreensão completa predominem nas relações entre as pessoas. A minha ideia é que isso possa se concretizar em pequenos grupos que estabeleçam o compromisso de manterem-se íntegros em si e não se agridam mutuamente. Parece uma organização tribal, o que dá a ideia de que a paz verdadeira somente poderá ser alcançada quando a Humanidade assumir que o progresso tecnológico precise sofrer uma desaceleração de radical severidade.”

Foto 2:
“É exatamente isso. O progresso científico avança em uma velocidade vertiginosa. Quase não percebemos a relevância de uma descoberta ou invenção antes que a próxima seja anunciada. Nesse sentido, é necessário que haja a consciência coletiva de que já possuímos considerável nível de desenvolvimento e que devemos adotar uma postura mais reflexiva, concentrando esforços na organização social, de modo a que possamos direcionar as formas de avanço tecnológico de maneira mais lúcida e integrada, em que todas as pessoas tenham conhecimento e acesso ao recurso criado e possam contribuir para que ele possa ser posto em prática a fim de produzir um benefício que alcance cada membro da coletividade. Pequenos grupos. A evolução da Humanidade não é baseada na capacidade orgânica de resistir a uma condição ambiental adversa.”

Foto 3:
“Mas sim baseada na capacidade de manter um status pacífico em uma organização igualitária na qual cada pessoa é provida dos recursos necessários à sua subsistência, lazer, satisfação intelectual e espiritual, com liberdade para produzir e expressar ideias e que estejam em total e voluntária comunhão com o grupo, senão voluntariamente, sozinho, mas que não haja qualquer autoridade, a não ser sua própria compreensão, que possa regular ou definir sua conduta e suas escolhas. Essa capacidade, aliada à vontade de relacionar-se de forma sustentável com a Natureza definiria um novo Ser Humano. Não posso dizer o que vem depois. Mas o que vier tem início hoje. Ass.: Little Boy”.

Deveria ter ouvido melhor o amigo. Deveria ter ouvido melhor seu paciente. Grande médico. Logicamente ninguém colocaria a culpa nele. Sua carreira estava intacta. A cidade não. Longe disso. O rapaz fora resgatado do hospital. Seu diagnóstico equivocado não determinava que um dia os amigos “imaginários” dele fossem render funcionários do hospital e retirá-lo de lá como se faz com traficantes em delegacias. Não era culpa de ninguém. Essa era a versão oficial. Mas a versão de sua consciência o condenava. O Centro de Fortaleza e todos os bairros ao redor foram varridos do mapa por uma bomba nuclear de fabricação artesanal. 22 mil pessoas mortas em segundos. 120 mil pessoas feridas pela onda térmica. Uma nuvem radioativa se espalhava naquele momento por todo o Ceará e oceano afora. O pulso eletromagnético colocava em pane a comunicação à distância.

Não era culpa de ninguém. Mas o rapaz tinha razão. Era culpa de todo mundo. Pensando nessas coisas o doutor deixou-se cair novamente na cadeira. Olhou as fotos no quadro. Depois baixou a cabeça e chorou. Apocalipse é apocalipse. Ponto.