quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O RASURADO AZUL DE PARIS - POEMAS PARA ARTHUR RIMBAUD,






Flor escandalosa


Meu pai sonhava o deserto

E viveu ao lado do amor

Rimbaud sonhava as areias

Também reinventar o amor

Rimbaud viveu no deserto

Meu pai morreu de amor


Meu pai surfava o mar de estrelas

Com um teodolito da cor da destemperança

 - verde oliva que tende ao amarelo –

Quando eu dormia ele soprava

Sementes de poesia

Por cima das minhas cobertas


Rimbaud passava noites inteiras

Regando com um regador de nuvens

Minha alma de fogo e a semente

Nasceu esta flor escandalosa

Misto de estrela e rosa

Da cor dos olhos do amor

E do deserto sonhado

Por meu pai e Rimbaud


Meu pai viveu em poesia

Nunca escreveu um verso

Rimbaud desistiu bem cedo

Meu pai sabia; sabia Rimbaud

O vento que atravessa a cortina

Traz a voz de ambos, mixada:



Ilumine o verbo!

Incendeie a alma!

Faça de corações desertos

Cactos em flor

Sangue em ebulição

*


quando ele corria

pelos telhados de ardósia

as pombas arrulhavam

em ventania

seu casaco - vela sacudida

estremecia

a maré da monotonia



Dans l’air
  

Tínhamos a mesma idade

Quando vimos o mar

Este mistério de impaciência

Tínhamos a mesma impaciência

 – Rimbaud e eu –



Por isto

Pisamos telhados

Ao invés do chão


Por isto

Machucamos nossos amores

Com nossas próprias mãos


Por isto

As velas acabam na madrugada

Antes que o poema acabe


- Por isto, tão pouca a vida para tanta voracidade.



Mar/absinto



Nossos olhos de dezoito anos

acomodaram o mar

Sobrou a maré em torno

um sussurro de conchas

a nos acordar nas noites brancas


Nossos olhos de dezoito anos

beberem do mar/absinto

como ao vinho santo.


Nossos olhos embriagados.

Nossos olhos negros e azulados.

Uma sereia recolhendo a rede

os corações de dois poetas ali

enredados


Nossos olhos de dezoito anos.

Nossas almas milenares.

Nossos amores fracos à soleira da incerteza.

Tanta beleza em ti, Rimbaud!

Tanta ausência em mim!


E nas marquises

bêbados ainda caminham

buscando o sol

que você guardou prá mim

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