quinta-feira, 22 de novembro de 2012

FRIA E RÍSPIDA ELA TE MOVE.


Por Paola Benevides.




Nem Piedade

Por favor, um canhão para aliviar tua dor por mim.
Carrego tanta vontade de te morrer, que vivo mais.
Tens medo do quê? Farei como quem só joga boliche.
Tu: um pino no centro. Eu: dedos cravados na bola.
Concentro e arremesso - simples assim, até caires.
Há outras dores menores, mas te preservo a grande.
O medíocre da história é teu prazer ao mistificar.
Serei ruim com quem reza para minha alma de má fé.
É sempre o inimigo que lava o pé, amigo crucifica.
Finca tua unha postiça na lama agora, muda mulher.
Sente enfeiar, crispa no sol, chora feto e afetos.
Teus descendentes vêm da água dessa infertilidade.
Não temos mais idade para isso de sentir saudades.
Tempo já acabou para quem falta, a espera desiste.


Fria

Dou pedrada em lagoa até ferir o dorso do sapo
(só não virou príncipe, porque falta de beijo magoa)
Sou pedra de gelo quebrada a sorrir dentro do saco
(bem depois de levar umas belas de umas pauladas)
Vampirizaram minha alma e agora estou aflita
Exigem que eu dê meu sangue a troco de nada:
- Nada nessa água até ficar com hipotermia, sua maldita!
Então, eu entro nessa fria e fico calada.



Ríspida

ATO I

Rabisco todas as folhas possíveis de uma resma (500 páginas) por semanas, enquanto aponto o lápis até ficar do curto ao inutilizável. A mão doendo. Separo todas as raspas da fina madeira suja de grafite e as coloco dentro da pia, sem tampa. Ligo a torneira a entupir o cano rapidamente, tudo de propósito, a fim de causar algum estrago. Afinal, hoje em dia tudo é artístico. Sendo dano, torna-se ainda mais convincente. Trago-lhes em lodo, portanto, um banheiro transbordante e absurdo!


ATO II

Quero chutar a canela fina daquela mal-amada com minha perna bonita, toda torneada no gesso, quebrar com a quebrada para ficarmos quites na rasteira. Inchar aqueles olhos fundos na base da porrada, com meu punho a ponto de contrair Lesão por Esforço Repetitivo, só por esporte. Tudo para ela saber que caminhar firme e olhar além, tranquilo, é para os fortes. Ama-se também à ponta-pés e a golpes de vista. Tudo é ensinamento. Se for briga, lamento. A intenção de selarmos a paz cela até o cavalo mais arredio. Que dirá esta égua a me coicear, relinchosa... Aceita!


Sonholenta

Bem que o céu podia se estilhaçar agora no chão só para eu ter o aconchego de um frio natural, sem aquele calafrio forjado de todos os lugares com ar-condicionado, e então embalar meu sono-neném debaixo de cobertas bem grossas.

Queria o afago do vento em meus cabelos feito mão de namorado e meu corpo a roçar o calor do colchão tal um sem-teto descobrindo-se em seu próprio lar telhado.

Aconchego maior esse de concha a abraçar nácar até se transformar em pérola-madre. Mãe é casa onde a gente passou meses a morar, moldar, para depois partir. Mundo é meio de rua, cansa a gente de tanto rodar. O que atenua a vertigem é ter por que andar, mesmo que não se tenha perna nenhuma.

Aqui, ao menos, é permitido sonhar.

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