domingo, 21 de abril de 2013

Número 6.

Continuando com essa ideia prazerosa de levar uns textos aí pra vocês, chega e sexta edição deste e-zine, dessa revista que não é uma revista.

Nesta edição publico um conto/fragmento enviado pelo escritor Antonio LaCarne. Tiago Velasco também aparece aqui com seus microcontos, e Edvaldo Ramos Leite surge neste mês com uma crônica originalmente publicado em um antigo blog nosso, e devo dizer, a crônica mais bonita que já li em toda minha vida.

Só reforçando que para publicações aqui é só enviar e-mail.

Boa leitura e até o próximo mês.

Carlos Alberto Nascimento

(Edição finalizada ao som de Carla Morrison)

Loop




Resolvi me perder e não falar sobre você durante muito tempo. E em contrapartida, ser mais um a exagerar nos cigarros, nas drogas, num círculo de amigos disfuncionais e com tendências destrutivas. Assim fui eu na noite enquanto te observava além de si mesmo, aquela solidão ao redor da mesa enquanto que, pra disfarçar o tempo, eu fingia escrever uma mensagem de vida ou morte no celular. Mas tudo pareceu em vão, você nem sequer decifrou o jogo cujo ápice aconteceria em três horas. A cama onde deitaríamos lânguidos numa paisagem erguida além de nossas neuroses e horários a cumprir. Nos desencontramos antes mesmo de qualquer arrependimento. Aí você foi embora, pedi outra bebida, cruzei as pernas numa nova tentativa de glória, medo, loucura e redenção.

Microcontos.



Por Tiago Velasco

Empire State

Era a primeira vez em Nova York. Lua de mel. Depois de três dias, ela disse que o casamento foi um engano. Marcou a passagem de volta para a noite. Só a dela. Ele saiu desesperado pelas ruas de Manhattan. Adentrou a portaria do prédio. Uma fila enorme aguardava o elevador. Estava com pressa. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 degraus, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, ... ,93,  94, 95 degraus, 96, 97, 98, 99, ..., 431, 432, 433, o coração havia de suportar, 434, 438, ... 918, 919, só mais alguns, 920, 921, 922, ..., 1573, arf, arf, arf. Decepcionou-se com as grades até o teto.


Top model
Desfilava nas passarelas de Paris, Nova York e Milão. Os principais estilistas faziam questão de que ela vestisse seus looks. Não assinava contrato de exclusividade. Diziam que tinha um caminhar único. E uma beleza exótica. Um rosto indecifrável era o elogio máximo. Inexpressiva, fazia a roupa brilhar. Morreu sem uma ruga.


Reflexo
– Por que você me ama?
– Porque você me ama!

O Céu Oceano




Uma nuvem feito pedra
Flutua no oceano calmaria
Enquanto ondas de vento
Quebram nos rochedos de minha alma.

Meu peito é cais aberto
Esperando a chegada de um amor tranqüilo
Que vaga perdido
Sem meu endereço, nem meu destino.

O céu oceano é o que ainda me mantém em terra
Aprisionado por uma promessa
De que se eu ficar parado
O mundo irá girar
E trazer para mim uma promessa antiga.

Os Tempos Estão Mudando...





Lembro os anos sessenta quando eu ouvia Buddy Holly desde a hora de acordar até o almoço.

Depois de comer, punha uma camiseta, meus óculos de armação grossa e caminhava um pouco debaixo do sol quente até a banca do Alfredo para trocar figurinhas de alienígenas. Comprava alguns exemplares antigos de gibis do Superman e voltava pra casa. Me trancava no quarto, colocava um pouco de Elvis na vitrola e ia escrever histórias de ficção científica para passar o tempo.

À medida que a tarde passava, saia Elvis, entravam Troggs, Beattles, Kinks, Animals. E eu amava Bob Dylan apesar de ser só um cara com um violão e uma voz anasalada, na época muito estranho pra caras como eu. Mas o fato dele falar coisas que eu realmente achava importante me dava a impressão de que pelo menos uma pessoa nesse mundo tava realmente afim de simplificar as coisas pra mim, ao invés do contrário.

De tarde eu tomava um banho, vestia uma calça de brim, uma camisa branca por dentro, meu cinto de fivela dourada, sapatos bem engraxados, colocava meu chapéu preto meio que de lado e ia à praça conversar com outros cavalheiros que, como eu, não viam problema nenhum em tomar uma cervejinha, conversar sobre rock´n´roll, filme de terror e atrizes gostosas como Brigitte Bardot.

À noite, sempre tinha festa na casa de alguém. Havia uma loira de nome Glória. Nunca chegamos a ficar juntos, mas sei que ela tinha uma queda por mim, pois sempre estávamos a trocar olhares e ela sempre sorriu pra mim. A possibilidade de dançarmos era o que tornava aquelas noites mágicas. Um dia, consegui chamá-la para uma dança. Ela era daquelas menininhas de beleza inocente que sempre está acompanhada de suas amigas, com seu risinho tímido e meigo, de voz suave e um perfume natural e inebriante que me deixava sonhando por semanas. Eu era um garoto meio desbocado que as mães das meninas detestavam e com quem as proibiam de falar, mas com quem elas não conseguiam deixar de falar. Daqueles que causam problemas de verdade e acham muito divertido ver o circo pegar fogo.

Tudo isso fazia daquele um tempo muito bom. Me lembro de como sempre achava que estava vivendo na época certa, apesar de toda a porcaria pela qual o mundo estava passando. Uma guerra falsa que era uma ameaça verdadeira, os preconceitos e a repressão. De certa forma, até aquela tensão toda era boa. Era bom ser jovem e esperto o bastante para saber e ter consciência de tudo e mesmo assim não ligar pra nada a não ser música, cinema, mulher e confusão.

Eu amei minha juventude.

Só que há um problema: nada disso aconteceu. Eu não sou esse cara. Nem sei de onde ele saiu. Faz tempo que ele mora em mim, acho que ainda era garoto quando ele surgiu. Tenho uma saudade imensa desse tempo, a ponto de chorar algumas vezes, vendo as fotos de todas as pessoas com quem eu andava, lendo cartas delas, falando com uma ou outra ao telefone sobre aquelas aventuras...mas nada disso existiu.

Sinto-me velho como esse cara seria hoje, mas eu não sou ele. Como posso explicar isso? Não há outro jeito senão imaginando que esse rapaz é um eu diferente de uma realidade paralela qualquer, gritando através da sangria cósmica que existem coisas legais para serem vividas, que eu não sou tão velho quanto o mundo e as circunstâncias me fazem acreditar que sou e que eu devia jogar algumas coisas para o alto antes de ser engolido por todo o tempo que não vivi.

Quando paro pra pensar nos acontecimentos do mundo vejo que nossa época é bem parecida com aquela. Uma juventude desatenta e inconsequente, uma ameaça nuclear assombrando os jornais e a esperança invisível de que do nada alguém muito especial apareça para mudar as coisas. Não sei o quão triste me sinto por quase não me lembrar de nada do meu próprio passado e sentir tanta falta da vida desse meu eu alternativo. Acredito que na história jamais houve um tempo em que não se estivesse em crise. A luta pela sobrevivência nos domina, ofusca nossa percepção e liquidifica nossas aspirações e sonhos, tudo é sempre uma névoa de preocupação e o esforço é imenso por construir um amanhã que não deixa de ser incerto. Quanto mais se pensa, menos se entende como a humanidade caminha.

Mas as coisas estão mudando. Os tempos estão sempre mudando. O que não muda é o fato de que jamais saberemos no que tudo vai dar, por mais que queiramos ter o controle de tudo. E acho que os momentos do passado que nossos “eus alternativos” mais sentem saudades, nesses tempos obscuros de solidão e loucura, são daquelas noites lindas em que o espírito ficava leve ao som de músicas de amor e se podia muito bem flertar com a Glória. Sem culpa alguma, sem qualquer pudor.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Isso Não é Uma Revista Literária # 5


Você senta, esfria a cabeça, tenta não pensar em mais nada, só em escrever alguma coisa. As vezes dá certo. As vezes você só tem que esperar a inspiração. E existem pessoas que não acreditam em nada desse negócio de inspiração. Escrever é trabalho, dá trabalho, mas quando você encontra alguns bons poemas por ai, alguns bons contos de bons escritores por ai, vale a pena procurar, como vale pra escrever.

Valeu a pena esperar pelas contribuições para essa nova edição, e vai valer a pena pra você, que vai parar tudo que está fazendo pra ler o que estamos escrevendo.

Bárbara Lia nessa edição, surge com poemas de seu mais novo livro, onde ela de forma silenciosa e poética conversa com Emily Dickinson. Paola Benevides mandou um texto foda, destruidor, que fala da infeliz vida  de muitos nos tempos de hoje. Camila Fraga com seu texto forte e doloroso aparece aqui pela primeira vez. Assim como também Lilith A, jovem escritora dessa minha cidade forte Fortaleza, que nos aparece com um conto muito bonito, e muito triste também.

Como falei, pare o que você está fazendo e leia essa nova edição do e-zine. Vai valer.

Carlos Alberto Nascimento

(Edição preparada ao som de John Coltrane - My Favorite Things)

A Flor Dentro da Árvore.



“Dentro da minha flor me escondo...”
Baile das harpias
Em árvores carbonizadas
Rindo do fim
Fumaça sangra
Nosso jardim
A alma do éden
Adoentada.


“Até que os serafins acenem com seus chapéus brancos”
Não nasci para resfriar o mundo
Neste lerdo cortejo de omissões
Estas palavras interditas
Suspensas

Não vim quebrar as pernas do sol
Silenciar cada bemol
Não vim para arrebentar o anzol
Do velho de Hemingway
Sou mar e trovão no coração
Nasci para amar sem lastro
Para dançar no pátio
It is my way

“Doce como o massacre de sóis”
Oito canhões na praça de guerra
Apontam para o peixe
Que traz a paz nas guelras

Quatro gaivotas suicidas
Lambem o babado azulado
Do triste mar-flamenco

Lembro um filme de Babenco:

Ana e o voo
Mariposas no quarto lúgubre
Suas mãos em concha
A esmagar a eternidade insalubre


“A lentidão das palavras do arcanjo ao acordá-la”
O sagrado despe as ilusões
e abraça as árvores mortas
Suas folhas azul esmaecido
qual manto da Virgem de Cambrai
Os ossos das árvores adoeceram
e elas morreram – azuis -
Antes que tornassem brancos
os seus cabelos


“Sinal cifrado para enovelar o divino”
Trinta e dois ventos
da rosa dos ventos
Vinte e um gramas
do peso da alma
Oito países
a comandar a Terra
UM Deus louco
pelas ruas bombardeadas


“O pedigree do mel não diz nada a uma abelha”
O rancor dos homens
Contaminou as flores 
As abelhas
Morreram de cólera
Adocicada
Último zumbido 
Acordou o Sol
Em cadência afinada
Qual canção do Vangelis